domingo, 23 de junho de 2013

Instantes finais

Começa amanhã o oitavo ciclo de quimioterapia deste segundo tratamento, que seguirá a mesma prescrição dos demais. Serão cinco dias de ifosfamida e ethoposide. Depois disso, mais uns dez dias até a imunidade estar plena novamente e alguns dias a mais para recuperação do nível normal de plaquetas.

Este oitavo ciclo pode ser o último. O tratamento estava inicialmente previsto para nove ciclos, porém o nono ciclo significaria uma dose cumulativa das drogas muito próxima àquelas consideradas limites. Considerando que até o momento meu quadro permaneceu estável, ou seja, até aqui não foram identificadas novas metástases nos exames de imagem, optamos por reduzir o tratamento a oito ciclos.

Sendo assim, amanhã pode ser o início do fim deste segundo tratamento. A confirmação só ocorrerá com os novos exames de imagem, que realizarei após o período de recuperação desta última quimioterapia. São os minutos finais do jogo. Falta pouco, então é preciso redobrar a atenção e resistir até o fim. Reforça-se dentro de mim a cada momento a esperança de dias melhores, livres do câncer e de todas as inquietações mais latentes que ele produz, mas também repletos das certezas e incertezas inerentes à vida que a fazem tão imprevisível e ao mesmo tempo tão desafiadora.

Aliás, sobre a esperança, a seguir transcrito está um trecho do livro Não nascemos prontos! – provocações filosóficas (Petrópolis, RJ: Vozes, 2006) do filósofo Mário Sérgio Cortella.

Enquanto há vida... 
Temos hoje um razoável consenso: os tempos estão terríveis, difíceis, complicados; partilhamos uma época de grande intranquilidade espiritual, de inúmeros padecimentos físicos, de infindos distúrbios existenciais, de profundos dilemas morais. Cabe, porém, uma questão: alguma vez não foi assim? Levando em conta que todo e cada ser humano sempre viveu na era contemporânea, em qual delas não teria valido, então, o alerta de Guimarães Rosa de que “viver é muito perigoso”? 
No entanto, resistimos! A esperança é um princípio vital, expresso na sábia e verdadeira constatação comum de que “enquanto há vida há esperança”; mesmo face às mais (aparentemente) intransponíveis circunstâncias achamos possível ser de outro modo, inventamos e reinventamos alternativas, recusamos a possibilidade de as realidades nos dominarem, e, sem cessar, sonhamos com o mais e o melhor. Em princípio, como para outros animais, as memórias das inevitáveis e sofridas (mas não exclusivas) experiências cotidianas deveriam nos deixar como legado o medo da repetição, o temor cauteloso pelo retorno da sensação ruim e, até, um impulso em direção ao desalento. Contudo, de novo, resistimos! 
É por isso que, em pleno Renascimento (sempre renascimento...) do século 16 ocidental, o magistral Michelangelo dizia que “Deus concedeu uma irmã à recordação, e chamou-lhe esperança”. Essa ideia foi retomada no século 19 pelo dramaturgo francês Victor Hugo - não por acaso um dos expoentes máximos do Romantismo - que afirmava ser “a esperança uma memória que deseja”; e, ainda, na obra Os miseráveis, o mesmo autor nos instiga, afirmando que “julgar-se-ia bem mais corretamente um homem por aquilo que ele sonha do que por aquilo que ele pensa”.  
Sonho aí não significa, claro, devaneio inútil ou delírio; sonho nessa acepção é o lugar do não-pronto, mas, desejado, ansiado, querido. Nessa direção, também o Oriente nos socorre com a milenar inspiração que anima os escritos de Zhou Shuren (mestre da moderna literatura chinesa, conhecido pelo pseudônimo literário Lu Xun); escreveu ele que “a esperança não é nem realidade nem quimera; ela é como os caminhos da terra: sobre a terra não havia caminhos; eles foram feitos pelo grande número dos que passam”.  
O dinamarquês (depois naturalizado norte-americano) Jacob Riis (considerado o primeiro fotojornalista) dedicou sua arte na transição do século 19 para o 20 a escancarar a magnitude dramática da pobreza urbana; publicou centenas de fotografias daqueles que Victor Hugo imortalizara como miseráveis, mas plenos de esperança. O fotógrafo consignou a humana capacidade de não desistir em uma belíssima imagem, ao dizer que “quando nada parece ajudar, eu vou e olho o cortador de pedras martelando sua rocha talvez cem vezes sem que uma só rachadura apareça. No entanto, na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas, e eu sei que não foi aquela a que conseguiu, mas todas as que vieram antes”.  
Os excessivamente pragmáticos (ou corretamente chamados de idiotas da objetividade) diriam ser esta uma concepção piegas; são esses, com muita probabilidade, incapazes de compreender a esperança como produtora de futuro e aniquiladora da dureza do existir. Assim, não perceberiam a profunda beleza contida na lenda atribuída ao, também cortador de pedras, Michelangelo. Ao ser perguntado sobre como fizera a escultura de Davi (com quase 4,5 metros em um só bloco de mármore, guardada na Academia de Belas Artes de Florença), ele disse: “Foi fácil; fiquei um bom tempo olhando o mármore até nele enxergar o Davi. Aí, peguei o martelo e o cinzel e tirei tudo o que não era Davi”... 

terça-feira, 5 de março de 2013

Agora sim, só mais quatro!

Finalmente posso dizer que concluí mais um ciclo de quimioterapia. Ontem pela manhã realizei um exame de sangue e tive a alegria de saber que a minha imunidade está novamente no seu devido lugar. Esta informação tem vários efeitos práticos, pois me libera da dieta de cozidos e fervidos e do confinamento de cerca de dez dias. Agora posso voltar a minha vida normal por alguns dias, fugir um pouco das privações, antes que venha o próximo ciclo. Este é o tempo em que esqueço um pouco do tratamento e trato de viver com mais intensidade!

No momento, apesar de ainda ter o paladar um pouco descontado, posso afirmar que todos os efeitos colaterais perceptíveis da última quimioterapia já estão superados, o único índice que ainda não retornou à normalidade é a contagem de plaquetas (53.000/mm³), que ainda está abaixo dos valores de referência usuais (150.000 a 450.000/mm³), mas já apresenta tendência de crescimento, então, há pouco com o que se preocupar quanto ao quinto ciclo.

Neste ciclo tive a maior queda de plaquetas desde que passamos a utilizar apenas a ifosfamida e o etoposide. Na última sexta-feira, dia 01/03/2013, a contagem de plaquetas chegou a apenas 17.000/mm³. Normalmente, este momento do ciclo apresenta o ponto mais baixo da curva de evolução das plaquetas. Decidimos aguardar o exame da segunda-feira para avaliar melhor, o qual demonstrou a reversão da quadro, como já era esperado. Ainda sobre as plaquetas, considerando que as drogas utilizadas no tratamento do osteossarcoma são mielotóxicas, é indispensável acompanhar a evolução da contagem plaquetária antes, durante e após cada ciclo de quimioterapia. A reduzida contagem de plaquetas pode levar a hemorragias, sendo que os principais riscos associados são a perda de grandes quantidades de sangue no aparelho gastrointestinal e o desenvolvimento de hemorragias cerebrais que podem ser fatais. Para índices abaixo de 30.000/mm³ já existe risco, porém em geral os problemas ocorrem com valores inferiores a 10.000/mm³. 

O próximo ciclo de quimioterapia será o sexto dentre nove. Se tudo correr bem, devo iniciá-lo no dia 1º de abril (e não é mentira!) e serão utilizadas as mesmas drogas. Até lá, terei algumas semanas para recarregar as baterias e aproveitar um pouquinho mais as coisas boas da vida. Além disso, às vezes precisamos dar um tempo para o nosso corpo se recuperar antes de partir para a próxima luta, afinal, precisamos dele saudável para enfrentar o que vier pela frente.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Passando da metade

Felicidade! Ontem (22/02/2013) encerrei o quinto ciclo de quimioterapia deste meu segundo tratamento e estou me sentindo muito bem. Considerando um total de nove ciclos previstos, já superei mais da metade das quimioterapias. Agora, pelos próximos dez ou onze dias, estarei em reclusão domiciliar experimentando os efeitos colaterais das drogas, dos quais pouco tenho a me queixar.

Como já era de se esperar, o pior ciclo do tratamento até aqui foi, novamente, o primeiro. Na ocasião, recebi carboplatina, etoposide e ifosfamida. Infelizmente, passados oito dias do término da aplicação destas drogas, enfrentei reações bem desagradáveis. Tive neutropenia febril acompanhada de plaquetopenia. Para completar o quadro, fui acometido de uma forte mucosite e infecção na garganta. Acabei passando um dia na UTI e outros nove internado no hospital para receber antibióticos e todos os demais cuidados necessários. Mas esta é uma história mais longa, cheia de detalhes. Certamente haverá oportunidade de relatá-la melhor.

A partir do segundo ciclo, em virtude dos acontecimentos do primeiro, decidimos suspender o uso da carboplatina, passando a utilizar apenas a ifosfamida e o etoposide. Desde então, os ciclos tem sido bem estáveis e regulares. Os efeitos colaterais são poucos e bem delimitados no tempo. Enfim, sei o que esperar de cada dia.

São cinco dias consecutivos de aplicação das drogas. Os dias começam cedo, chego na clínica por volta das 8h30min e saio por volta das 19h. Primeiramente, recebo palonosetron para prevenir náuseas e cloridrato de ranitidina para prevenir úlceras e problemas gástricos. Em seguida recebo o etoposide por cerca de uma hora. Terminada a administração do etoposide, no momento que chamamos de hora 0, recebo uma medicação chamada mesna com a finalidade de proteger a mucosa da bexiga urinária. Esta medicação é repetida nas horas 3, 6 e 9. Entre as aplicações da hora 0 e da hora 3 é administrada a ifosfamida. Nos intervalos em que não estou recebendo alguma droga, fico recebendo somente soro fisiológico.

Em geral, recebo toda a medicação diluída em cerca de 5 litros por dia. O primeiro efeito perceptível é sempre o inchaço natural de várias partes do corpo em virtude da alta quantidade de líquidos, mesmo urinando com uma frequência de até três vezes por hora em alguns momentos.

As reações mais desagradáveis ocorrem normalmente no último dia de aplicação e nos três dias que seguem. Nestes dias, o paladar fica bem alterado e aparecem os enjoos. A ifosfamida e o etoposide não estão sendo tão brandos em termos de náuseas e paladar quanto era o methotrexate, porém também não chegam a causar picos de mal-estar tão fortes quanto a doxorrubicina e a cisplatina.

Passadas essas reações, somente após uma semana do término da quimioterapia é que surge um outro efeito: a dor nos ossos, decorrente da estimulação da medula óssea realizada pela filgrastima para recuperação da imunidade. No meu caso, normalmente, esta dor tem cerca de três dias de duração e é plenamente suportável com a administração de analgésicos comuns.

De hoje em diante, em virtude dos baixos índices de imunidade, ainda tenho uns dez dias de reclusão para vencer. Neste tempo, preciso cumprir a dieta de cozidos e fervidos e redobrar os cuidados com higiene e limpeza, evitando locais públicos e aglomerações de pessoas. Alguns destes cuidados não são agradáveis porém são necessários para evitar infecções e intercorrências que possam retardar o bom andamento do tratamento.

O próximo ciclo deverá ocorrer somente no fim de março. Normalmente, o intervalo entre dois ciclos consecutivos é de 4 semanas. No ritmo que estamos avançando, se nada mais ocorrer para retardar as quimioterapias, o tratamento deve terminar dentro de 4 meses. Já estamos na reta final.