domingo, 23 de junho de 2013

Instantes finais

Começa amanhã o oitavo ciclo de quimioterapia deste segundo tratamento, que seguirá a mesma prescrição dos demais. Serão cinco dias de ifosfamida e ethoposide. Depois disso, mais uns dez dias até a imunidade estar plena novamente e alguns dias a mais para recuperação do nível normal de plaquetas.

Este oitavo ciclo pode ser o último. O tratamento estava inicialmente previsto para nove ciclos, porém o nono ciclo significaria uma dose cumulativa das drogas muito próxima àquelas consideradas limites. Considerando que até o momento meu quadro permaneceu estável, ou seja, até aqui não foram identificadas novas metástases nos exames de imagem, optamos por reduzir o tratamento a oito ciclos.

Sendo assim, amanhã pode ser o início do fim deste segundo tratamento. A confirmação só ocorrerá com os novos exames de imagem, que realizarei após o período de recuperação desta última quimioterapia. São os minutos finais do jogo. Falta pouco, então é preciso redobrar a atenção e resistir até o fim. Reforça-se dentro de mim a cada momento a esperança de dias melhores, livres do câncer e de todas as inquietações mais latentes que ele produz, mas também repletos das certezas e incertezas inerentes à vida que a fazem tão imprevisível e ao mesmo tempo tão desafiadora.

Aliás, sobre a esperança, a seguir transcrito está um trecho do livro Não nascemos prontos! – provocações filosóficas (Petrópolis, RJ: Vozes, 2006) do filósofo Mário Sérgio Cortella.

Enquanto há vida... 
Temos hoje um razoável consenso: os tempos estão terríveis, difíceis, complicados; partilhamos uma época de grande intranquilidade espiritual, de inúmeros padecimentos físicos, de infindos distúrbios existenciais, de profundos dilemas morais. Cabe, porém, uma questão: alguma vez não foi assim? Levando em conta que todo e cada ser humano sempre viveu na era contemporânea, em qual delas não teria valido, então, o alerta de Guimarães Rosa de que “viver é muito perigoso”? 
No entanto, resistimos! A esperança é um princípio vital, expresso na sábia e verdadeira constatação comum de que “enquanto há vida há esperança”; mesmo face às mais (aparentemente) intransponíveis circunstâncias achamos possível ser de outro modo, inventamos e reinventamos alternativas, recusamos a possibilidade de as realidades nos dominarem, e, sem cessar, sonhamos com o mais e o melhor. Em princípio, como para outros animais, as memórias das inevitáveis e sofridas (mas não exclusivas) experiências cotidianas deveriam nos deixar como legado o medo da repetição, o temor cauteloso pelo retorno da sensação ruim e, até, um impulso em direção ao desalento. Contudo, de novo, resistimos! 
É por isso que, em pleno Renascimento (sempre renascimento...) do século 16 ocidental, o magistral Michelangelo dizia que “Deus concedeu uma irmã à recordação, e chamou-lhe esperança”. Essa ideia foi retomada no século 19 pelo dramaturgo francês Victor Hugo - não por acaso um dos expoentes máximos do Romantismo - que afirmava ser “a esperança uma memória que deseja”; e, ainda, na obra Os miseráveis, o mesmo autor nos instiga, afirmando que “julgar-se-ia bem mais corretamente um homem por aquilo que ele sonha do que por aquilo que ele pensa”.  
Sonho aí não significa, claro, devaneio inútil ou delírio; sonho nessa acepção é o lugar do não-pronto, mas, desejado, ansiado, querido. Nessa direção, também o Oriente nos socorre com a milenar inspiração que anima os escritos de Zhou Shuren (mestre da moderna literatura chinesa, conhecido pelo pseudônimo literário Lu Xun); escreveu ele que “a esperança não é nem realidade nem quimera; ela é como os caminhos da terra: sobre a terra não havia caminhos; eles foram feitos pelo grande número dos que passam”.  
O dinamarquês (depois naturalizado norte-americano) Jacob Riis (considerado o primeiro fotojornalista) dedicou sua arte na transição do século 19 para o 20 a escancarar a magnitude dramática da pobreza urbana; publicou centenas de fotografias daqueles que Victor Hugo imortalizara como miseráveis, mas plenos de esperança. O fotógrafo consignou a humana capacidade de não desistir em uma belíssima imagem, ao dizer que “quando nada parece ajudar, eu vou e olho o cortador de pedras martelando sua rocha talvez cem vezes sem que uma só rachadura apareça. No entanto, na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas, e eu sei que não foi aquela a que conseguiu, mas todas as que vieram antes”.  
Os excessivamente pragmáticos (ou corretamente chamados de idiotas da objetividade) diriam ser esta uma concepção piegas; são esses, com muita probabilidade, incapazes de compreender a esperança como produtora de futuro e aniquiladora da dureza do existir. Assim, não perceberiam a profunda beleza contida na lenda atribuída ao, também cortador de pedras, Michelangelo. Ao ser perguntado sobre como fizera a escultura de Davi (com quase 4,5 metros em um só bloco de mármore, guardada na Academia de Belas Artes de Florença), ele disse: “Foi fácil; fiquei um bom tempo olhando o mármore até nele enxergar o Davi. Aí, peguei o martelo e o cinzel e tirei tudo o que não era Davi”... 

terça-feira, 5 de março de 2013

Agora sim, só mais quatro!

Finalmente posso dizer que concluí mais um ciclo de quimioterapia. Ontem pela manhã realizei um exame de sangue e tive a alegria de saber que a minha imunidade está novamente no seu devido lugar. Esta informação tem vários efeitos práticos, pois me libera da dieta de cozidos e fervidos e do confinamento de cerca de dez dias. Agora posso voltar a minha vida normal por alguns dias, fugir um pouco das privações, antes que venha o próximo ciclo. Este é o tempo em que esqueço um pouco do tratamento e trato de viver com mais intensidade!

No momento, apesar de ainda ter o paladar um pouco descontado, posso afirmar que todos os efeitos colaterais perceptíveis da última quimioterapia já estão superados, o único índice que ainda não retornou à normalidade é a contagem de plaquetas (53.000/mm³), que ainda está abaixo dos valores de referência usuais (150.000 a 450.000/mm³), mas já apresenta tendência de crescimento, então, há pouco com o que se preocupar quanto ao quinto ciclo.

Neste ciclo tive a maior queda de plaquetas desde que passamos a utilizar apenas a ifosfamida e o etoposide. Na última sexta-feira, dia 01/03/2013, a contagem de plaquetas chegou a apenas 17.000/mm³. Normalmente, este momento do ciclo apresenta o ponto mais baixo da curva de evolução das plaquetas. Decidimos aguardar o exame da segunda-feira para avaliar melhor, o qual demonstrou a reversão da quadro, como já era esperado. Ainda sobre as plaquetas, considerando que as drogas utilizadas no tratamento do osteossarcoma são mielotóxicas, é indispensável acompanhar a evolução da contagem plaquetária antes, durante e após cada ciclo de quimioterapia. A reduzida contagem de plaquetas pode levar a hemorragias, sendo que os principais riscos associados são a perda de grandes quantidades de sangue no aparelho gastrointestinal e o desenvolvimento de hemorragias cerebrais que podem ser fatais. Para índices abaixo de 30.000/mm³ já existe risco, porém em geral os problemas ocorrem com valores inferiores a 10.000/mm³. 

O próximo ciclo de quimioterapia será o sexto dentre nove. Se tudo correr bem, devo iniciá-lo no dia 1º de abril (e não é mentira!) e serão utilizadas as mesmas drogas. Até lá, terei algumas semanas para recarregar as baterias e aproveitar um pouquinho mais as coisas boas da vida. Além disso, às vezes precisamos dar um tempo para o nosso corpo se recuperar antes de partir para a próxima luta, afinal, precisamos dele saudável para enfrentar o que vier pela frente.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Passando da metade

Felicidade! Ontem (22/02/2013) encerrei o quinto ciclo de quimioterapia deste meu segundo tratamento e estou me sentindo muito bem. Considerando um total de nove ciclos previstos, já superei mais da metade das quimioterapias. Agora, pelos próximos dez ou onze dias, estarei em reclusão domiciliar experimentando os efeitos colaterais das drogas, dos quais pouco tenho a me queixar.

Como já era de se esperar, o pior ciclo do tratamento até aqui foi, novamente, o primeiro. Na ocasião, recebi carboplatina, etoposide e ifosfamida. Infelizmente, passados oito dias do término da aplicação destas drogas, enfrentei reações bem desagradáveis. Tive neutropenia febril acompanhada de plaquetopenia. Para completar o quadro, fui acometido de uma forte mucosite e infecção na garganta. Acabei passando um dia na UTI e outros nove internado no hospital para receber antibióticos e todos os demais cuidados necessários. Mas esta é uma história mais longa, cheia de detalhes. Certamente haverá oportunidade de relatá-la melhor.

A partir do segundo ciclo, em virtude dos acontecimentos do primeiro, decidimos suspender o uso da carboplatina, passando a utilizar apenas a ifosfamida e o etoposide. Desde então, os ciclos tem sido bem estáveis e regulares. Os efeitos colaterais são poucos e bem delimitados no tempo. Enfim, sei o que esperar de cada dia.

São cinco dias consecutivos de aplicação das drogas. Os dias começam cedo, chego na clínica por volta das 8h30min e saio por volta das 19h. Primeiramente, recebo palonosetron para prevenir náuseas e cloridrato de ranitidina para prevenir úlceras e problemas gástricos. Em seguida recebo o etoposide por cerca de uma hora. Terminada a administração do etoposide, no momento que chamamos de hora 0, recebo uma medicação chamada mesna com a finalidade de proteger a mucosa da bexiga urinária. Esta medicação é repetida nas horas 3, 6 e 9. Entre as aplicações da hora 0 e da hora 3 é administrada a ifosfamida. Nos intervalos em que não estou recebendo alguma droga, fico recebendo somente soro fisiológico.

Em geral, recebo toda a medicação diluída em cerca de 5 litros por dia. O primeiro efeito perceptível é sempre o inchaço natural de várias partes do corpo em virtude da alta quantidade de líquidos, mesmo urinando com uma frequência de até três vezes por hora em alguns momentos.

As reações mais desagradáveis ocorrem normalmente no último dia de aplicação e nos três dias que seguem. Nestes dias, o paladar fica bem alterado e aparecem os enjoos. A ifosfamida e o etoposide não estão sendo tão brandos em termos de náuseas e paladar quanto era o methotrexate, porém também não chegam a causar picos de mal-estar tão fortes quanto a doxorrubicina e a cisplatina.

Passadas essas reações, somente após uma semana do término da quimioterapia é que surge um outro efeito: a dor nos ossos, decorrente da estimulação da medula óssea realizada pela filgrastima para recuperação da imunidade. No meu caso, normalmente, esta dor tem cerca de três dias de duração e é plenamente suportável com a administração de analgésicos comuns.

De hoje em diante, em virtude dos baixos índices de imunidade, ainda tenho uns dez dias de reclusão para vencer. Neste tempo, preciso cumprir a dieta de cozidos e fervidos e redobrar os cuidados com higiene e limpeza, evitando locais públicos e aglomerações de pessoas. Alguns destes cuidados não são agradáveis porém são necessários para evitar infecções e intercorrências que possam retardar o bom andamento do tratamento.

O próximo ciclo deverá ocorrer somente no fim de março. Normalmente, o intervalo entre dois ciclos consecutivos é de 4 semanas. No ritmo que estamos avançando, se nada mais ocorrer para retardar as quimioterapias, o tratamento deve terminar dentro de 4 meses. Já estamos na reta final.

domingo, 23 de setembro de 2012

O Retorno

Confesso que esperava nunca ter que escrever este texto, mas acredito que ele já estava escrito há mais tempo por outro autor. Confesso que, apesar de ter consciência que poderia receber esta notícia a qualquer momento, não esperava sofrer tanto com ela, não acreditava que o destino reservava para a minha vida um desafio ainda maior do que o que eu já havia superado. Mas estas não passavam de convicções pobres, fadadas a serem desfeitas em um segundo.

E em um segundo tudo mudou. Em um segundo percebi que estava novamente lutando pela vida. Em um segundo descobri que a primeira guerra não fora completamente vencida e que ainda existirá uma segunda. Em um segundo todas as incertezas sobre o futuro voltaram. E acompanhando as incertezas, vieram todas as mesmas velhas conhecidas perguntas e novamente sofri com a vontade de respondê-las, apesar de não conhecer as respostas.

Precisei vestir novamente a armadura e me preparar para a batalha. Lembrei que tenho ao meu lado pessoas fantásticas que me darão amor e tudo mais o que for necessário para vencer esta luta. Lembrei que estas pessoas estarão comigo no front e que assim tudo ficará mais fácil. Lembrei que é preciso mais que sabedoria e disciplina para superar este tipo de adversidade, que precisarei também muita disposição, muita força, muita garra e muita vontade de viver. Percebi, então, que tenho tudo que preciso para seguir em frente e buscar a vitória. E é isso que farei, sem desistir nem por um segundo, sem me permitir desanimar ou esmorecer por mais difícil que seja a próxima etapa. No que depender de mim, não deixarei ninguém na mão, farei o possível para transformar tudo isto em uma bela página no livro da vida de cada um daqueles que me rodeiam.


Resumindo


No início de agosto fiz uma série de exames de estadiamento, os mesmos que fazia rotineiramente a cada 3 ou 4 meses. A tomografia computadorizada de tórax indicou um nódulo no pulmão direito medindo 0,8 cm no maior raio. No dia 31 de agosto fui submetido a toracoscopia e segmentectomia pulmonar, quando foi retirado o nódulo e enviado para análise patológica. No início da semana passada recebi o laudo anátomo-patológico confirmando que o nódulo retirado era uma metástase pulmonar. Amanhã, 24 de setembro de 2012, reiniciarão as quimioterapias. Desta vez será utilizado um outro protocolo que consiste em 9 ciclos. Serão cinco dias consecutivos de administração de drogas, porém sem necessidade de internação hospitalar. Um novo desafio está lançado. Vamos em frente.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Quase todo como

Hoje o post é curto. Lembrei-me de uma frase que conheci durante o tratamento e sempre me encorajou. Procuro lembrá-la todos os dias. Uma frase não precisa ter muitas palavras para nos mostrar o essencial.



"Quem tem por que viver aguenta quase todo como."
Friedrich Nietzsche

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sentido

Nem parece, mas já fez dois anos que recebi a notícia que virou a minha vida de pernas para o ar. Era 31/08/2009 quando li o resultado da ressonância magnética indicando o tumor e todas as incertezas a respeito do meu futuro surgiram. Foi um choque, um pesadelo, uma sensação que não se pode explicar com palavras.

Primeiramente pensei que pudesse estar sonhando, que a qualquer momento poderia acordar de uma noite mal dormida e continuar minha existência como se nada houvesse ocorrido. Doía demais para ser verdade. Refletir por alguns segundos me fez sentir um tolo, afinal era real demais para ser mentira. Pude enxergar dentro de mim o desespero, a inconformidade, a revolta, a negação. Quantos pobres desgraçados seriam vitimados por um infortúnio tão intenso àquela altura da vida?

Em um primeiro momento negar a hipótese é natural. Ninguém quer acreditar. Não é agradável imaginar o futuro próximo após este tipo de notícia. Como consequência, por um instante tentei conscientemente encontrar um meio de tornar o fato uma falácia para mim. Pensamentos como "o exame pode estar errado" ou "de repente não é tão grave assim" representavam nitidamente o otimismo inconsciente e irracional do momento. A minha mente era uma luta entre o insano e o sóbrio.

Pode parecer duro, mas o enfrentamento da doença não pode aguardar processos de autoconvencimento demorados. Decidi que era preciso entrar em estado de alerta, agir com rapidez, deixar de lado por um momento os sentimentos debilitantes e encarar o desafio. Para mim, estava começando a luta pela vida. Havia um leão faminto vindo em minha direção e eu empunhava minha lança com coragem em um chão onde outros tantos guerreiros outrora sucumbiram. Não havia garantias de sucesso.

Não me dei ao luxo de cair em lamentações. Precisei ser assim, não apenas em causa própria, mas também pelos que derramavam suas lágrimas por mim. Senti que se eu demonstrasse disposição para a luta, conseguiria amenizar o sofrimento de todos. Acho que consegui. O instinto de sobrevivência me trouxe até aqui. Até quando estarei bem, não há como saber, mas uma coisa é certa: é preciso fazer valer a pena.

Lutei pela vida quando o mais fácil era se entregar à escuridão. Penso que muitas vezes viver pode ser mais duro que morrer, porém este tipo de pensamento só leva em consideração o sofrimento próprio, excluindo qualquer ideia mais dotada de reflexão. É preciso encontrar sentido para vencer o sofrimento. Se no fim do arco-íris existe um pote de ouro ou não, não é possível saber. Mas se a recompensa é boa, vale a pena pagar para ver e desta forma cada segundo de sofrimento terá sentido se o que não me deixou esmorecer, existir por mais algum momento na minha vida.

domingo, 17 de julho de 2011

Ainda estou aqui!

Ainda estou vivo! Desculpem-me o tempo sem notícias, estive com a vida bem movimentada nestes últimos meses. Aconteceu tudo ao mesmo tempo: fim do tratamento, exames de estadiamento pós-quimioterapia, volta ao trabalho, retorno à universidade, enfim, a minha vida habitual de volta.

Essa minha última frase soou muito estranha aos meus ouvidos. O que eu entendo como a "minha vida habitual de volta"? Na verdade, a vida não é a mesma. Como disse há alguns meses quando terminei o extenso tratamento de um ano e meio, eu simplesmente nasci de novo. Hoje faço dois aniversários por ano. A "minha vida habitual de volta" se limita à volta aos estudos e ao retorno ao trabalho. Nada mais é do que a velha rotina.

Mas não consigo enxergar a vida com os mesmos olhos que enxerguei um dia. Não sei se a vida é melhor ou pior. A vida simplesmente é. Feliz e triste como deve ser. Estou na etapa "feliz", cheio de disposição, mas a vida já me mostrou o quanto é imprevisível. O Sol por vezes se esconde, pode passar um tempo sem brilhar, entretanto, quando acho que a vida está difícil, me lembro desses dias sem Sol e sinto que consigo reorganizar meus pensamentos e encontrar novas formas de pensar.

As lembranças desses tempos de escuridão já não causam mais as mesmas sensações. Depois que as dificuldades vão embora, a impressão é de que o desafio não foi tão difícil assim, que o sofrimento não foi tão assustador. É difícil entender, mas tenho medo de perder a noção da dimensão do que passei, de esquecer o quanto lutei, o quanto sofri, o quanto chorei. Creio que esses sentimentos, apesar de parecerem negativos, me afetam de uma forma muito positiva. Essas cicatrizes não me deixam esmorecer, não me permitem lamentações por dificuldades simplórias. São marcas da minha vida, da minha história. Me fazem seguir em frente e não me deixam esquecer que a minha vida tem sentido e isto é o que me faz acordar todos os dias e ser feliz.


O Projeto Clarear

Há um certo tempo que acompanho a história da Clarinha através de seus pais, Adílson e Kétsia. A Ana Clara é uma linda menina de apenas 8 anos de idade que deu um exemplo de força e coragem na luta contra o câncer. Passou pelo mesmo tratamento que passei e venceu um osteossarcoma muito parecido com o meu. Colocou endoprótese, passou semanas e semanas de internações, sofreu todos os devastadores efeitos da quimioterapia. Imagino como deve ser difícil para uma criança perder, ainda que em parte, a capacidade de se locomover. Certamente, foram dias tristes na vida desta família.

Com muita força, fé e determinação, encararam esta batalha árdua e obtiveram êxito. Porém novos desafios se apresentaram. Após encerrar o tratamento, constatou-se que a quimioterapia resultou em insuficiência cardíaca. Não bastasse mais este obstáculo, outros contratempos levaram os médicos a indicar a amputação da perna em que a endoprótese está instalada.

Eu acompanho esta luta desde uma certa altura de meu tratamento, não me lembro exatamente em que época conheci a história da Ana Clara. Estive muito contente com o sucesso do tratamento de mais uma companheira de luta, pois estes exemplos são muito importantes para os pacientes que descobrem a doença. Saber que mais alguém se salvou renova as esperanças, é mais uma vitória contra um adversário poderoso. Mas não posso esconder minha tristeza com as notícias recentes que dão conta de mais essas dificuldades na vida da Clarinha.

Hoje o principal objetivo da postagem é divulgar o PROJETO CLAREAR, que está sendo desenvolvido pela família para conseguir recursos para a aquisição de uma prótese mecânica para a Ana Clara. Para quem interessar, o link é o que segue: http://oprojetoclarear.blogspot.com/
Quem não puder contribuir e quiser colaborar basta curtir o blog no facebook ou divulgar para os amigos nas redes sociais.

Um abraço a todos

terça-feira, 29 de março de 2011

A Volta à Rotina

A rotina já me dominou novamente. Aquele ritmo louco de trabalho e estudos voltou a minha vida e como isso é bom. Nas últimas semanas nem consegui parar para escrever aqui no blog.

As duas primeiras semanas foram um pouco mais complicadas. Já não estava mais acostumado a acordar cedo, dormir pouco e passar o dia todo fora de casa, movimentando-me com mais intensidade. Além disso, agora existe um componente novo: um joelho de plástico, que oportuniza algumas dores e limitações que eu não tinha antes desse fatídico episódio na minha vida.

Faz um certo tempo que não comento sobre a minha endoprótese e percebi que falei bem pouco dela aqui no blog depois da cirurgia. Parece que foi ontem que acordei na sala de recuperação e olhei diretamente para o meu pé para ver se ele ainda estava comigo. A primeira ação foi movimentá-lo e então uma sensação de alívio tomou conta de mim. Os meses que seguiram foram de muita dificuldade. Larguei as muletas 15 dias após a cirurgia. Apesar de ainda ter pouca flexão e um pouco de dor oriunda dos traumas cirúrgicos, naquele tempo já conseguia me locomover com algum esforço.

Sete meses e muitas sessões de fisioterapia depois disso, consegui 86º de flexão, o valor máximo que alcancei e que me permitiu caminhar com naturalidade e ter algum conforto ao sentar. Hoje, se alguém desconhecido me observa em caminhada dificilmente percebe as minhas dificuldades.

A título de esclarecimento, não se pode imaginar que a endoprótese irá garantir todas as funções de um joelho humano. Tive até que abandonar a minha extensa e bem sucedida carreira futebolística (um amigo meu disse que o futebol agradece). A realidade é que não posso mais praticar qualquer esporte que envolva corrida ou um certo grau de impacto. Além disso, o cansaço é mais frequente e alcançado com mais facilidade, o que resulta em algumas dores indesejadas após uma movimentação mais expressiva. Além disso, as endopróteses têm uma vida útil, que é muito difícil de determinar, pois varia de acordo com a forma de utilização, a qualidade do material e do cirurgião.

Eu já sabia de tudo isso antes da cirurgia. O ortopedista que me operou, um profissional sério e qualificado, informou-me sobre esses inconvenientes. Ele me disse que uma de suas pacientes está há mais de 20 anos com a mesma endoprótese, enquanto outros precisaram realizar a troca ou manutenção em menos de 10 anos. A medicina não é uma ciência exata, é preciso entender isto para interpretar corretamente as informações. É impossível dizer que um determinado procedimento é o melhor em qualquer hipótese, pois cada caso é um caso. Existem casos em que a endoprótese não é viável. Em outros além de viável tem resultados excelentes. Eu sou muito feliz por ter preservado minha perna, mesmo que não exista garantia de que poderei mantê-la até o fim da minha vida. A endoprótese preserva mais que o membro, preserva uma série de valores subjetivos e importantes na vida de um ser humano.

Apesar dessa minha satisfação em ter tido êxito na manutenção da minha perna, percebi que, mesmo que o destino não tivesse me agraciado com esse joelho de brinquedo, eu teria elementos suficientes para ser feliz, pois este é um aspecto secundário da doença. Vencer o câncer uma vez já é sensacional, imaginem então sair com qualidade de vida! Muitas vezes achamos que somos infelizes, pois não sabemos que precisamos de muito pouco para ser feliz. Reclamar da vida é muito fácil e cômodo. Difícil é correr atrás, lutar até o fim, se entregar na busca de um resultado incerto, mesmo sabendo que o seu adversário é a própria morte e que ela pode ser antecedida de muito sofrimento. É por isso que desejo a todos que passam por esta doença força e coragem, pois são estes os valores que não permitirão esmorecer e se entregar. Costumo dizer que ninguém deseja essa doença, mas se ela vem, que seja possível aprender um pouquinho da vida com ela, repensar valores, reencontrar sentimentos e nascer de novo!


José Alencar

Hoje faleceu um dos símbolos nacionais da luta contra o câncer, o guerreiro José Alencar, um doloroso dia para aqueles que compartilham da doença. Em sua homenagem, colei a frase a seguir do blog da minha amiga Karina.

"Não tenho medo da morte, porque não sei o que é a morte. A gente não sabe se a morte é melhor ou pior. Eu não quero viver nenhum dia que não possa ser objeto de orgulho. Peço a Deus que não me dê nenhum tempo de vida a mais, a não ser que eu possa me orgulhar dele."

"Eu não titubeio. Se é preciso fazer, é feito. Vou te dar um dos segredos: é, provavelmente, não ter medo da morte. O que eu tenho medo é da desonra, porque um homem honrado não morre nunca, e o homem que perdeu a honorabilidade morre em vida. Pensa que está vivo, mas as pessoas o evitam, não querem conhecê-lo, não querem conviver com ele, fazem questão de dizer que não o conhecem."

José Alencar


O Super Juliano

No último domingo fui visitar meu amigo Juliano no Hospital da PUCRS. Ele esteve internado no mesmo andar que eu nas últimas quimioterapias que fiz e esta semana ele também está encarando a última do seu tratamento. A surpresa foi chegar ao quarto e vê-lo a jogar vídeo game com o Tinga! Tá importante esse guri! Força cara!

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Osteossarcoma - Brasil

Sei que estou ausente nos últimos dias. Ocorre que são dias de imensa felicidade para mim e quero aproveitá-los ao máximo. Semana passada tive meu direito de dirigir reestabelecido (essa é uma história que decidi contar no futuro aqui no blog, pois creio que é de utilidade pública). Amanhã, se tudo correr bem, terei meu direito de trabalhar reestabelecido. Na semana que vem volto a estudar. Enfim, são muitos acontecimentos significativos na minha vida em pouco tempo, todos positivos e que me levam a crer novamente em um futuro cada vez mais feliz e belo.
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Hoje passei aqui apenas para registrar a criação de uma nova comunidade no Orkut: Osteossarcoma - Brasil. Pesquisei e constatei que não havia comunidade específica para a doença. Primeiramente, percebi que muitas pessoas estabeleceram contato comigo por causa do blog, o que não ocorre com tanta frequência para aqueles que não possuem um. Refletindo e considerando a escassez de informações e a dificuldade em encontrar outros pacientes para trocar informações e experiências, decidi criar a comunidade. Essa ferramenta pode ser muito importante para os portadores pois possibilita uma comunicação mais ampla através dos fóruns.
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Quero seguir engajado na luta contra a doença. Tive a oportunidade de prolongar minha vida, agora desejo muito que outras pessoas também consigam. Para mim, a luta continua, só mudam os guerreiros.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ACABOU!

NÃO TÁ MORTO QUEM PELEIA! Enfrentei estes últimos 18 meses de luta com este espírito e hoje tenho a honra de dizer, com o orgulho de quem superou todos os próprios limites, que o tratamento ACABOU!

Não é preciso ser super-herói para superar o câncer, mas é preciso coragem, persistência e, principalmente, vontade de viver! Fica menos difícil quando temos aliados valorosos nos dando suporte! Obrigado a todos por tudo!

Hoje, 18 de fevereiro de 2011, eu nasci pela segunda vez! Um capítulo inteiro da minha vida se encerra aqui e me sinto novamente livre para voar.